MÊS DO COMBATE AO SUICÍDIO

por Guido Boabaid
11/04/2023 25/03/2024

Em entrevista exclusiva à GnTech, o psiquiatra Dr. Igor Emanuel Vasconcelos fala sobre causas, remédios e assistência para pessoas que sofrem com transtornos mentais

O mês atual é marcado por inúmeras ações a favor do combate ao suicídio, através de campanhas do Setembro Amarelo.
Enquanto o mundo está conseguindo diminuir as taxas de suicídio (-36% entre 2000 e 2019), o Brasil, segundo dados levantados pelo DataSUS, enfrenta dificuldades para evitar o crescimento ano após ano.

Atividades e informações que visam nos alertar sobre os transtornos e seus estágios – que podem levar uma pessoa a pôr em risco a própria vida – acontecem num momento em que ainda estamos tratando os danos colaterais de mais de dois anos de pandemia.


O total de óbitos no país por lesões autoprovocadas dobrou de cerca de 7.000 para 14 mil nos últimos 20 anos, segundo o Datasus, sem considerar a subnotificação. Isso equivale a mais de um óbito por hora, superando as mortes em acidentes de moto ou por HIV.

A curva vai na contramão do resto do mundo, mas segue a tendência da América Latina, de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), que atribui a piora à pobreza, à desigualdade, à exposição a situações de violência e à ineficiência de planos de prevenção.


Apesar de estarmos frente a frente com um cenário assustador, é importante lembrar que há formas e tratamentos eficazes para os transtornos que podem impulsionar atitudes extremas, como é o caso do suicídio. Para entendermos melhor sobre as causas e os tratamentos, buscamos a opinião do psiquiatra Dr. Igor Manuel Vasconcelos, que fala com exclusividade para a GnTech.

ENTREVISTA GNTECH

GT: Costumamos enxergar o suicídio como uma consequência muito extrema de um (ou uma junção) de transtorno mental.

Quando olhamos para as pesquisas recentes, percebemos que os números não param de crescer. Segundo o Conselho Nacional de Saúde, uma pessoa comete suicídio no mundo a cada 40 segundos.

Dada a sua expertise, o que faz uma pessoa planejar a própria morte? O que está acontecendo conosco para estarmos testemunhando números tão assustadores de suicídio no mundo?

Dr: O problema do suicídio é complexo, uma vez que alberga em seu bojo não somente aspectos psiquiátricos, mas também caracteres de ordem cultural e sociológica, os quais estão implicados na gênese deste fenômeno.

Apesar de toda a amplitude de vetores associados à compreensão do problema, é razoável dizer que mais de 90% das tentativas de suicídio estão ligadas a transtornos mentais, conforme as pesquisas apontam.

Assim, olhando para a faceta psiquiátrica do problema, entende-se que o transtorno mental, a condição psiquiátrica propriamente dita, traz costumeiramente – por exemplo, no caso da depressão – sintomas como grande desesperança com o futuro. A desesperança pode levar o indivíduo a um grande desespero, a achar que não tem saída, de modo que cogita o suicídio como uma imaginada potencial saída para seu sofrimento.

Outro fator de risco suicida importante é também a impulsividade, sobretudo em adolescentes e adultos jovens. Nestas circunstâncias, pode haver uma passagem da ideia suicida ao ato autolesivo de forma mais rápida, sem uma deliberação. Há efetivamente estudos mostrando um aumento do risco de suicídio nas últimas décadas e um dos achados que chama a atenção, notadamente em pesquisa americana, é que isto ocorre sobretudo em comunidades mais fragmentadas socialmente (p.ex.: com mais pessoas vivendo sozinhas) e com menor capital social (p. ex.: menos locais para recreação; organizações religiosas; acesso a artes e natureza).

GT: Quando a pessoa consegue buscar ajuda, seja através de outras pessoas ou por ela mesma, quais são os primeiros passos realizados pelos médicos?

DR: Primeiramente, o indivíduo deve ser compreendido como um todo. Não somente a partir de um diagnóstico, mas tendo como base a sua curva vital histórica e atual.
Quais são os acontecimentos de vida que podem estar contribuindo para um aumento do risco de suicídio? Solidão e estressores agudos na vida (p.ex.: desemprego recente/separação) podem impactar negativamente no aumento do risco de suicídio. Uma vez percebida esta apreensão mais ampla destes aspectos do sujeito, cabe ao psiquiatra o correto diagnóstico da condição de que o paciente padece, o que por sua vez irá permitir um tratamento assertivo.

Nestes cuidados iniciais é de extremo relevo também o envolvimento familiar e de outras pessoas afetivamente importantes ao paciente, porquanto se faz necessário o cuidado afetuoso e vigilante para prevenir o suicídio.

GT: Gostaria de explorar um pouco sobre as intervenções com medicamentos. Quando há a necessidade de inserir uma rotina com uso de remédios, quais cuidados precisam ser mantidos por parte do médico responsável e do paciente?

DR: Os remédios que tratam a depressão maior, o transtorno bipolar e a esquizofrenia, dentre outros transtornos mentais com impacto no risco de suicídio, podem paradoxalmente ser utilizados em tentativas suicidas.

Neste sentido, ressalta-se novamente a importância da presença e monitoramento familiar, funcionando como uma espécie de arquiteto do tratamento, com administração supervisionada dos medicamentos naqueles casos em que há grave risco de suicídio.

Como responsabilidade do médico, torna-se importante um monitoramento mais contínuo do paciente, com reavaliações mais regulares e prescrição de fármacos em menor quantidade, minimizando assim o risco suicida. Coloca-se em evidência, ademais, que muitos psicofármacos têm grande segurança nos casos de intoxicação por overdose.

De todo modo – quando possível – deve-se evitar prescrição de medicamentos com maior potencial letal por toxicidade.

GT: Quanto um tratamento mal orientado/dosado pode prejudicar o processo de recuperação de uma pessoa?

DR: “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”, conforme diria o histórico médico Paracelso.

Deste modo, as doses prescritas dos tratamentos devem basear-se nos estudos científicos que dão corpo à psicofarmacologia. Asdoses não devem ser aquém do ideal, o que chamamos de subdoses, sob pena de o paciente não melhorar por ausência de eficácia; tampouco a posologia deve ser demasiada, o que incorreria em risco aumentado de efeitos colaterais. Um erro muito comum em médicos não especialistas em psiquiatria é prescrever uma dose inicial baixa, inclusive muitas vezes aquém da dose recomendada, sem progredir para doses mais eficazes, embasadas por estudos científicos.

Assim, a máxima é sempre buscar a maior eficácia e máxima tolerabilidade aos efeitos colaterais, dentro das doses terapêuticas e guiando de forma personalizada às necessidades dos pacientes.

GT: Uma de suas bandeiras é a Meditação com Ciência. Pode nos explicar do que se trata?

DR: O Meditação com Ciência trata-se de um curso que ensina a usar a meditação de atenção plena para lidar com estresse, ansiedade, insônia, dentre outras condições. Um dos diferenciais deste projeto é que ele é todo baseado nas melhores evidências científicas referentes a como funciona a meditação de atenção plena e como colocá-la em prática em prol da saúde mental.

Ressalta-se que a meditação de atenção plena, com seus protocolos modernos, não se trata de algo religioso ou místico, mas sim de técnica amplamente estudada em várias universidade de renome mundial (Harvard, Massachusets, etc.).
Inclusive, há também alguns estudos com protocolos específicos de meditação de atenção plena (p.ex.: terapia cognitiva baseada em mindfulness), apontando para diminuição no risco de suicídio, sendo esta então uma ferramenta importante a ser divulgada neste Setembro Amarelo.

GT: Quais são os comportamentos que os familiares e amigos de uma pessoa podem observar como atitudes suicidas? O que eles podem (e devem) fazer para ajudar?

DR: Devemos estar atento a algumas frases que implicam um maior risco de suicídio: “não tem sentido estar aqui”; “nada vai melhorar”; “seria melhor se estivesse morto ou se Deus tirasse minha vida”. Toda expressão de risco de suicídio deve ser validada e acolhida emocionalmente por familiares/amigas, nunca sendo interpretada como “necessidade de chamar a atenção”.

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